04 de dezembro de 2012
18:30 h
Auditório do CSE
A
Guerra do Fogo
La
Guerre du feu
Canadá/França/EUA
1981
100 min
Direção:
Jean-Jacques Annaud
Com: Everett
McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.
Por
Rodrigo Cunha
Um
dos temas que envolvem a discussão sobre a naturalidade da linguagem falada é o
que versa sobre a sua origem. O filme A Guerra do Fogo, de Jean-Jacques
Annaud, é uma interessante especulação a esse respeito, e ajuda a refletir
sobre a questão.
O
filme trata de dois grupos de hominídios pré-históricos: um que cultuava o fogo
como algo sobrenatural e outro que dominava a tecnologia de fazer o fogo. Em
termos de linguagem, o primeiro não está muito longe dos demais primatas,
emitindo gritos e grunhidos quase na totalidade vocálicos. Esse tipo de
comunicação assemelha-se ao que Rousseau considera, em seu Ensaio sobre a
origem das línguas, como a primeira manifestação de linguagem no homem, que é a
expressão de suas paixões, como a dor e o prazer. Já o segundo grupo parece ter
uma comunicação mais complexa, com maior número de sons articulados. Há outros
elementos culturais, como habitações e ritos, que denotam um maior grau de
complexidade do segundo grupo com relação ao primeiro.
No
que concerne apenas à questão da linguagem, uma possível interpretação seria a
seguinte: em um determinado estágio de sua evolução biológica, o homem, já se
locomovendo como bípede e tendo suas mãos livres, aprendeu a manipular
instrumentos, a interferir no seu meio e a fazer, dentre outras coisas, o fogo.
A necessidade de preservação desse conhecimento, dessa tecnologia, levou-o a
sofisticar a sua capacidade de comunicação. A princípio, sua linguagem pode ter
sido meramente gestual, mas ele descobriu que os sons também poderiam se prestar
a essa função.
Assim
como, ao tornar-se Homo Erectus viu-se com as mãos livres (antes
usadas principalmente na locomoção) e descobriu que poderia usá-las para
manipular as coisas; assim como, ao tornar-se Homo Sapiens descobriu
que poderia usar essa capacidade de manipulação para interferir no seu meio; da
mesma forma, descobriu que os órgãos utilizados para funções vitais como a
respiração e a digestão, também serviam para emitir sons. A partir do momento
em que aprendeu a diversificar os sons através das articulações, conseguiu
aumentar as possibilidades de combinação entre eles. Uma vez estabelecidas
determinadas convenções entre os seus semelhantes, possibilitou-se a troca de
informações (como a tecnologia de fazer o fogo) de um indivíduo para o outro.
A
sofisticação da linguagem serviu para facilitar a comunicação de uma informação
complexa, talvez não expressável meramente pelo gesto. Portanto, como diria o
pai da Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure, "não é a linguagem que
é natural ao homem, mas a faculdade de construir uma língua, vale dizer: um
sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas".
As
divagações acima são apenas leituras possíveis do interessante filme de Annaud.
E os indícios lingüisticos (a distinção entre a linguagem de uma tribo e de
outra) foram pensados pelo foneticista Anthony Burgess, que assina o roteiro.
Burgess ficou conhecido pelo livro Laranja Mecância, que foi adaptado para
o cinema por Stanley Kubrick.
A
Guerra do Fogo, com roteiro de Burgess e direção de Annaud, pode ser monótono e
cansativo para quem não tem curiosidade pelo tema. Mas aqueles que se
interessam não só pela origem da linguagem, mas pelas raízes da espécie humana
e pelo florescer da razão e das tecnologias, irá apreciar o filme.
Reproduzido
de Comciencia
10
ago 2001